A festa dos Stones em Nova Orleans
Os donos da festa em New Orleans!
Foto: NOLA.com/Chris Granger
Quando o assunto é Rolling Stones em Nova Orleans, a festa tem lugar certo: o Mercedez-Benz Superdome. Originalmente chamado de Louisiana Superdome, já recebeu espetáculos dos Stones pelas excursões “US Tour 1978”, “American Tour 1981”, “Steel Wheels Tour” (1989) e “Voodoo Lounge Tour” (1994), o que significa que a banda não pisava na cidade festeira com um novo show há quase 25 anos, desde 10 de outubro de 1994.
Parecia que o grande jejum não teria fim, já que o show foi adiado duas vezes, a primeira em abril quando Mick Jagger precisou passar por uma cirurgia cardíaca, o que adiou a turnê e fez o show no Jazz Fest ser cancelado; e a segunda quando o furacão “Barry” ameaçava varrer tudo o que estivesse na frente. Por conta disso, a banda se viu obrigada a adiar o show em um dia. Na segunda-feira, dia 15 de julho de 2019, o público já sabia que o alerta havia rebaixado o furacão para chuva tropical. Pelo visto, nada pode parar os Stones.
A noite de música começou com Ivan Neville e seu projeto musical Dumpstaphunk, que convidou o Soul Rebels ao palco. Juntos eles homenagearam Dr. John, o músico visto como patrimônio cultural de Nova Orleans faleceu em 6 de junho deste ano. As bandas de abertura pagaram tributo a John tocando o clássico “Right Place, Wrong Time”.
Foto: NOLA.com/Chris Granger
Os Stones entraram no palco ao som da porrada “Jumping Jack Flash”, naquele momento o longo hiato estava finalizado de uma vez por todas. Mick Jagger deu uma ótima demonstração de que sua voz é como vinho logo na primeira música. Durante o século XXI, o vocalista tem se importado mais com a melodia e dado maior atenção a modulações vocais do que na maior parte dos anos de trabalho no século anterior. Também no primeiro número era possível perceber o quanto Charlie Watts estava inspirado naquela noite, em alguns momentos o som do hi-hat lembrava do explosivo Watts das turnês de 1965 e 1966.
O clássico “Let’s Spend The Night Together” voltou com tudo ao set, com a belíssima combinação entre as vozes de Keith, Chuck Leavell, Bernard Fowler e Sasha Allen nos backing vocals. A música de 1967 foi seguida pela eterna nº 3, “Tumbling Dice”, onde Jagger quase perdeu o primeiro verso por estar muito ocupado impressionando a plateia com seus movimentos enquanto se livrava de seu terno. Mas justamente na música que quase deu errado, mostrou a banda apresentando uma das mais impecáveis performances de toda a noite.
Assim como “Let’s Spend The Night Together”, “Sad Sad Sad” retornou em grande forma. Mick estava mais afinado do que de costume neste show, o que pode ser escutado na execução da faixa de 1989, quem também estava se superando em comparação a performances feitas em um passado não tão distante era Keith Richards. “Dwight”, a ES-345 branca de Keef fez uma rara aparição durante o show de Nova Orleans, sendo cortejada com um baita solo de Richards – nada consegue parar os Stones, nem mesmo a artrite.
"Nós somos a única banda que teve um show interno impedido pela chuva!" – Mick Jagger
A Gibson de Keith permaneceu para brindar o público com sua sonoridade durante a vencedora do song vote, “Under My Thumb”. O clássico que um dia foi a abertura de uma das turnês mais espetaculares dos Stones, hoje aparece como uma das favoritas nas votações, salvo algumas ocasiões em que a banda decidiu pelo single de 1966 como parte do set fixo durante a última leg da turnê. Jagger relembrou algumas de suas firulas da versão original, o que se tratando de Stones, é uma raridade.
O público no Superdome foi um show à parte, tanto que um brasileiro se sentiria em casa com a empolgação do público de Nova Orleans. Provando que sabe festejar, esta foi uma das plateias mais vibrantes da leg norte-americana, os instantes de êxtase eram potencializados pela alegria do público que aproveitava ao máximo o fato de estarem na presença da Maior Banda do Mundo, como foi em “You Can’t Always Get What You Want”. A emoção dos 50 mil pagantes foi impressionante.
Em uma noite de exuberante forma vocal pelo maior frontman da história, após chegar ao palco B, Mick semitonou sem dó, nem piedade logo no início de “Angie”, lembrando aos pagantes do clássico Mick Jagger e que a beleza do Rock And Roll está, também, nas imperfeições – durante essa versão, Mick fez algumas escolhas de notas interessantes. Enquanto isso, Keith e Ronnie tiravam lindos licks de seus violões, Charlie dava as cartas novamente. Em “Dead Flowers”, Richards mostrou que seu alcance vocal não está desapontando, chegando a alcançar em alguns momentos notas acima do que era feito nos mesmos vocais de apoio durante os dias de “Stripped”. Outro grande momento foi Jagger/Richards dividindo o mesmo microfone durante o clássico de 1971.
Em “Sympathy For The Devil”, a Firebird de Ronnie estava em desvantagem em relação aos demais instrumentos durante quase toda a execução do clássico, enquanto a Gibson Les Paul Jr de Richards quase estourava os amplificadores. Enquanto Jagger cantava sobre Lúcifer e os telões simbolizavam a Estrela da Manhã com o que parecia ser o nascer de um novo dia, Richards era aplaudido em seu solo, mesmo não alcançando a excelência de noites anteriores, mas sem perder a boa forma que foi a regra durante a noite em Nova Orleans. Em seguida, “Honky Tonk Women” veio para exercer seu oficio: transformar o show em uma verdadeira festa. Mostrando ainda mais empolgação pelo single de 1969, o público cantou o refrão a plenos pulmões.
Ao comandar os vocais, Richards mostrou menos do alcance vocal demonstrado do início da noite em uma regular “Slipping Away”, mas o alcance estava de volta em “Before They Make Me Run”. A faixa do “Some Girls” vem sendo a música de Keith nos vocais com o maior número de grandes performances durante a atual leg. Após o set de Richards, Jagger volta ao palco para o definitivo descarregamento de hits, sempre começando com “Miss You”. Talvez por estar em New Orleans, a banda toda mostrou um pouco mais de inspiração durante o show, até mesmo os músicos de apoio. Tim Ries fez escolhas não muito usuais em "Miss You", mas que funcionaram bem, assim como o solo de baixo de Darryl Jones que fez a noite pegar fogo, o que se tornou a trilha sonora enquanto Mick e Sasha Allen se divertiam.
Depois de uma “Paint It Black” que não deixou nada do que é necessário de fora com um grande final por Charlie Watts – quem diria que apenas um hit na caixa significaria tanto –, “Midnight Rambler” tomou conta do Superdome. A dupla Wood e Watts foi decisiva para os grandes momentos do clássico em Nova Orleans já que enquanto Ronnie solava, Charlie dobrava o tempo na caixa. Ao voltar para o palco principal, Jagger puxou o cover “You Gotta Move” e a banda o acompanhou antes de retornarem para a ópera-blues, onde Ronnie novamente libertou o Demônio em seus dedos.
“Faz 41 anos desde a primeira vez que tocamos em Nova Orleans.” – Mick Jagger
“Midnight Rambler” foi novamente o início da trinca final da noite, seguida por “Start Me Up” e “Brown Sugar”, onde Karl Denson segue tendo carta branca para improvisar no solo, assim como o próprio Bobby Keys chegou a fazer em sua história com os Rolling Stones. Denson mais uma vez fez uma belíssima interpretação do último solo de saxofone da noite.
Como nada é perfeito, o bis começou com uma irregularidade. Antes mesmo de Charlie Watts chegar à bateria, Keith Richards já voltou ao palco tocando o riff de “Gimme Shelter”, antes de Watts entrar, Richards já havia perdido o tempo e ambos seguiram tocando em tempos diferentes enquanto Sasha Allen e Bernard Fowler eram a cola que ajudavam a fazer com que as coisas não desabassem de uma vez por todas até Mick Jagger decidir começar a cantar, mesmo sem a clássica introdução das versões ao vivo de Richards ser finalizada – Ronnie também foi um dos que salvaram os primeiros momentos do clássico. E foi Sasha Allen quem mais brilhou durante esta versão, para variar.
Enquanto Jagger agradecia à Sasha Allen por sua brilhante performance sem perceber que uma Gibson estava sendo “afiada” para a última da noite, Richards dá início a “(I Can’t Get No) Satisfaction”, que vem sendo executada sem grandes problemas durante esta leg da “No Filter”. Os Stones têm saído do palco com tudo em cima após as clássicas longas performances de seu clássico máximo, e em Nova Orleans não foi diferente. Ao fim do show, a música foi se desmontando aos poucos, com Charlie fazendo suas viradas e encerrando uma de suas maiores noites nos dias atuais, Wood retirando sua guitarra e Richards tocando as últimas notas do espetáculo. A noite terminou com uma baqueta de Watts sendo jogada para a plateia, o sortudo que a pegou tem agora uma lembrança de um dos shows mais efervescentes da história dos Stones.
Foto: NOLA.com/Chris Granger
Setlist:
1. Jumping Jack Flash 2. Let's Spend The Night Together 3. Tumbling Dice 4. Sad Sad Sad 5. Under My Thumb (vote song) 6. You Can't Always Get What You Want 7. Angie (palco B) 8. Dead Flowers (palco B) 9. Sympathy For The Devil 10. Honky Tonk Women 11. Slipping Away (Keith) 12. Before They Make Me Run (Keith) 13. Miss You 14. Paint It Black 15. Midnight Rambler 16. Start Me Up 17. Brown Sugar BIS 18. Gimme Shelter (Mick e Sasha)
19. (I Can't Get No) Satisfaction
Imagem: The Rolling Stones