East Rutherford, a casa dos Rolling Stones nos EUA
O distrito de East Rutherford, Nova Jersey, sempre recebeu os Rolling Stones de braços abertos, sua história com a Maior Banda do Mundo data desde a lendária Turnê Norte-Americana de 1981, quando os Stones promoviam o álbum “Tattoo You”. O primeiro show do grupo no distrito aconteceu na extinta Brendan Byrne Arena, que ficava na Rota 20 da última venue a recebê-los antes de 2019. Após a primeira apresentação, com exceção da “Steel Wheels Tour”, East Rutherford recebeu concertos dos Stones com certa frequência até 2006, quando tocaram no Giants Stadium.
O tempo passa, a vida muda, mas os Stones permanecem, acompanhando essas mudanças. O Giants Stadium foi demolido em 2010, no local onde ficava o estacionamento foi construído o MetLife Stadium, que ainda não havia recebido a banda, já que sua última performance aconteceu ainda no antigo local, em 27 de setembro de 2006, mas a “No Filter” chegou aos Estados Unidos para inserir os Stones na história contemporânea do estádio. O show foi realizado em 1º de agosto de 2019, o mês começou muito bem para Nova Jersey.
Em Nova Jersey, o ato de abertura foi o trio de Liverpool, The Wombats. A banda está na estrada desde 2003, e tem sua sonoridade influenciada pelo post-punk e a new wave da década de 80. É no mínimo interessante ver uma banda do gênero abrindo para os Stones.
Os Stones entraram no palco com uma matadora versão de “Street Fighting Man”, certamente uma das melhores em toda a turnê. Keith Richards entrou no palco tocando sua guitarra impiedosamente, seguido por Mick Jagger, que quase sempre se guia pelo guitarrista para entrar corretamente na música. Após apresentar boa forma vocal no show anterior, em Houston, mas evitando notas altas, Jagger fez o oposto em East Rutherford. Ainda com a voz em dia, o vocalista não economizou e chegou perto do limite em alguns momentos, cantando junto de Bernard Fowler próximo ao fim da música. Encerrada com os licks de Ronnie Wood e Richards, além das viradas de Charlie Watts, “Street Fighting Man” já teria feito a noite valer para os 65 mil fãs, mas ainda tinha muito mais por vir.
O show em East Rutherford não apresentou novidades, mas o público presenciou um dos concertos mais sólidos dos Stones durante esta turnê. Apesar de algumas pequenas inconstâncias em “Let’s Spend The Night Together”, o clássico não sofreu e agitou a plateia enquanto Mick Jagger estava ligado nos 220, assim como em sua sucessora, “Tumbling Dice”.
A vencedora do song vote já era sabida pelos que conseguiram escutar a passagem de som, o clássico de 1967, “She’s A Rainbow”, que foi revelada antes mesmo de Mick Jagger pedir para que o resultado da votação aparecesse nos telões, dessa vez não deu para fazer suspense. A música teve mais velocidade durante o show de East Rutherford, além de ótimas viradas de Charlie Watts – que mais uma vez apresentou a força de um garoto. Por conta da velocidade atípica na canção, Mick pareceu ter dificuldade para acompanhar o resto da banda enquanto tocava violão, mas conseguiu se encontrar.
Nova Jersey cantou “You Can’t Always Get What You Want” em alto e bom som com os Stones. Assim como o show anterior, em Houston, a banda manteve o nível de apresentações como Nova Orleans e Seattle, concertos que foram de encher os olhos. O double-time permaneceu, mas como a banda já vinha fazendo há algum tempo, o refrão não foi cantado, com exceção do título da canção.
O segundo palco mostra não só os Stones tocando clássicos acústicos, como também uma reverência às raízes que fizeram a banda ser o que é. No palco B, o set começou com “Sweet Virginia”, onde a elegância de Watts soou mais alto, literalmente. Em “Dead Flowers”, por conta da introdução ter sido levemente prolongada, Keith se perdeu na música, mas ao invés de cometer alguma gafe, o guitarrista apenas parou de tocar e assistiu seus companheiros, juntando-se a eles alguns compassos depois. Ao final do clássico, Charlie jogou uma de suas baquetas para o público, sorte de quem pegou.
“[New Jersey] é a capital da comida saudável nos EUA, certo? Então fomos ao Tick Tock Diner. Tivemos Taylor ham, ovo e queijo! Com batatas fritas e um Sloppy Joe para a viagem! Delicioso.” – Mick Jagger
Após fazerem o estádio vir abaixo com “Sympathy For The Devil” e “Honky Tonk Women”, ambas com ótimas performances vocais de Mick Jagger, a banda foi anunciada, com Charlie Watts sendo chamado por Jagger de “o baterista favorito de Frank Sinatra”. O show seguiu com o set de Keith, o homem iniciou sua parte com “Slipping Away”, antes da execução da última faixa do “Steel Wheels”, Richards fez alguma piada para Ronnie que foi inaudível para o público, mas ainda assim gerou um belo momento de descontração entre dois amigos de longa data. A música foi executada sob esse clima de descontração, tanto que Keith entrou na ponte antes da hora e tudo foi levado com bom humor, com a banda acompanhando o guitarrista, o que resultou em uma “Slipping Away” um pouco menor do que o normal. “Before They Make Me Run” fez a voz de Richards ecoar pelo MetLife Stadium, superando a versão do show anterior, contando até com Keith tirando de letra toda uma estrofe da música ao mesmo tempo em que tocava, pode parecer um detalhe bobo, mas algo raro de se ver na faixa do “Some Girls” nos anos recentes.
Os Stones foram ao Tick Tock Dinner de Nova Jersey, onde Mick Jagger, nas palavras do New York Post, "testou sua nova válvula cardíaca". Os integrantes não foram reconhecidos pela funcionária que os atendeu, mais tarde, Kalliopi disse ao NYP que não percebeu que eram eles, apenas anotou os pedidos. Mick Jagger comentou sobre a visita da banda ao Tick Tock em seu "stand-up" após "Honky Tonk Women".
Com o set “parado” no disco de 1978 por alguns minutos, “Miss You” foi o arraso de sempre – no melhor sentido da palavra. Jagger adicionou algumas firulas aqui e ali, fazendo outra plateia de mais de 60 mil comer em sua mão. Mick mais uma vez relembrou os tempos em que “Miss You” contava com insinuações de momentos ardentes entre ele e Lisa Fischer, mas em 2019, Jagger tem momentos que podem ser chamados de divertidos com Sasha Allen enquanto Darryl Jones fazia seu solo. Em East Rutherford, “Miss You” continuou tendo seu fim prolongado por Chuck Leavell e Mick Jagger, uma forte atmosfera é criada sempre que isso acontece.
A penúltima trinca da noite se encerrou com “Paint It Black” – com direito a Mick fazendo notas em escala árabe – e “Midnight Rambler”, que contou com Chuck Leavell adicionando algumas notas a lá Buddy Johnson, por mais que o improviso seja bem-vindo, talvez não tenha combinado com o clima da faixa do “Let It Bleed”. Outro improviso rolou entre Mick e Ronnie, onde o Wood repetia na guitarra as mesmas notas que o Jagger fazia na gaita. Mick ainda chegou a brincar com Keith e Ronnie, se sentando no tablado da bateria de Charlie após a interação com a plateia, sendo puxado de lá por Richards.
Antes de mais uma porrada com o clássico de 1969, Jagger lembrou que aquele era o 90º show dos Stones na tri-state area de Nova York, Nova Jersey e Pensilvânia, 14 desses 90 shows foram apenas em East Rutherford.
O show começou a se encaminha para o fim com “Start Me Up”, que não falha em criar um clima de festa. Uma incrível “Jumping Jack Flash” a seguiu com incríveis viradas de Charlie Watts, até mesmo durante seus momentos finais, em “Brown Sugar” não foi diferente, a energia do baterista não está com os dias contados. Quem também se destacou foi Karl Denson, com uma improvisação que se difere muito do que os fãs vinham escutando na leg de 2019, o saxofonista saiu de sua zona de conforto e brindou o público com um solo digno de registro oficial. E por falar em registro oficial, não é segredo para ninguém que a banda mostra ainda mais para o que veio quando o show é gravado – o que não significa que o trabalho não é bom o bastante em outras noites –, sendo assim, o fato de Richards ter apresentado uma presença de palco similar, até demais, com a que está registrada no “Havana Moon” é de deixar qualquer fã com a pulga atrás da orelha.
A performance vocal de Mick Jagger em “Gimme Shelter” foi de chorar, no melhor sentido possível, performance que ficou ainda melhor após Sasha Allen mostrar ao público seus dotes vocais. Parece existir uma competição saudável entre os dois durante o clássico, ou pode ser o caso da incrível voz de Sasha inspirar Jagger – que honra. Mas algo é certo, o vocalista adora se juntar aos backing vocals próximo ao fim da balada épica, como não deixou de fazer em East Rutherford, um dos mais belos momentos de toda a noite, junto com as demonstrações de boa relação com Richards.
O concerto foi encerrado, claro, com “(I Can’t Get No) Satisfaction”, e trazendo uma novidade! Quando Mick Jagger estava em uma das extremidades de um dos palcos, uma plataforma elevava o vocalista, empolgando principalmente o público que estava nas arquibancadas.
A estrutura, infelizmente, não foi usada após este show, sendo o único na história da “No Filter” em que Mick Jagger utilizou de tal mecanismo. Claro, que isso pode gerar um rumor de que o show foi filmado para um lançamento posterior, afinal, foram dois concertos em East Rutherford. Mas a banda não usou roupas idênticas em ambos os shows, quanto à plataforma, pode ter sido apenas o teste de uma estrutura no palco que foi descartada após a apresentação, mas por que esperar tanto para usá-la? Talvez nunca tenhamos essa resposta. Tudo o que sabemos é que o público de Nova Jersey curtiu mais uma grande noite com a Maior Banda do Mundo, e ainda teve o privilégio de uma segunda dose.
Foto: Stephen Yang
Setlist:
1. Street Fighting Man 2. Let's Spend The Night Together 3. Tumbling Dice 4. She's A Rainbow (vote song) 5. You Can't Always Get What You Want 6. Sweet Virginia (palco B) 7. Dead Flowers (palco B) 8. Sympathy For The Devil 9. Honky Tonk Women 10. Slipping Away (Keith) 11. Before They Make Me Run (Keith) 12. Miss You 13. Paint It Black 14. Midnight Rambler 15. Start Me Up 16. Jumping Jack Flash 17. Brown Sugar BIS 18. Gimme Shelter (Mick e Sasha) 19. (I Can't Get No) Satisfaction
Foto: The Rolling Stones