Kurhaus ‘64: Quando o ‘pau quebrou’ em um show dos Stones
Os Rolling Stones iniciaram uma série de shows pelo Reino Unido em 12 de julho de 1964, a única data não britânica na agenda da banda entre julho e agosto era um show na Holanda. A apresentação deveria ter sido o primeiro concerto completo do grupo no continente, mas não era a primeira vez da banda na Europa, os Stones fizeram uma performance com apenas quatro músicas no The Golden Rose International TV Festival para o programa “Ready, Steady, Go!” em Montreux, na Suíça, em 20 de abril daquele ano.
Com o Rock And Roll voltando a ser um fenômeno mundial, o número de fãs seguindo as bandas do gênero ficava cada vez maior, os Stones puderam perceber tal crescimento quando um show lotado em Blackpool, em 24 de julho de 1964, terminou em tumulto.
“Nós passamos algumas vezes por isso [enquanto tocávamos] e parecia que a Guerra da Crimeia estava acontecendo. Pessoas ofegantes, peitos aparecendo, garotas engasgando, enfermeiras correndo em ambulâncias. Eu sei que foi o mesmo para os Beatles. Alguém já leu sobre isso: ‘Beatlemania’... Você conhece aquele som estranho que milhares de garotas fazem quando estão realmente ‘deixando sair’. Eles não conseguiam ouvir a música. Nós não conseguimos nos escutar por anos... Havia um número de salões de baile em Blackpool durante a semana escocesa, quando todos os escoceses vêm e ficam muito bêbados, uma gangue inteira deles foi a esse salão e eles não gostavam da gente, e foram empurrando até chegarem na frente em meio a 7.000 pessoas direto para o palco e começaram a cuspir em nós. Naqueles dias eu tinha um temperamento. ‘Você cuspiu em mim?’ E eu chutei o rosto dele.” – Keith Richards
Noticiário radiofônico sobre o incidente do show em Blackpool.
A banda ainda estava se recuperando do incidente quando em Belfast, na Irlanda do Norte, em 31 de julho, um concerto dos Stones precisou ser interrompido após 12 minutos por conta da histeria da plateia. Mas o pior ainda estava por vir.
Em agosto de 1964, os Rolling Stones deveriam ter realizado seu primeiro show completo em solo europeu, ao menos era o que a banda esperava quando chegaram para a conferência de imprensa sobre o concerto a ser realizado naquela noite no Kurhaus, em Scheveningen. Menos de dois meses antes, os Beatles passaram pelo país. A plateia estava enlouquecida durante os três shows que os Fab Four fizeram na Holanda, o público não só cantava as músicas junto com a banda de Liverpool, como também dançava e, parte da plateia, fazia tumulto. Se um grupo com um apelo Pop mais forte à época recebeu tamanha reação da plateia holandesa, imagine o que poderia acontecer em um show dos Stones no país.
Holanda, 1964 | Foto: Rob Bosboom
Os Rolling Stones chegaram na Holanda por volta das 10 horas da manhã do dia 8 de agosto, aterrissando no Aeroporto de Amesterdão-Schiphol. A banda foi levada por uma motorista particular até a cidade de Haia onde fizeram um passeio e em seguida retornaram para o hotel. Só às 21h30 que os fãs começaram a chegar, até o momento, nem sinal de tumulto. O organizador do concerto era Paul Acket, que contratou cinco homens para garantir a segurança da banda, fora os seguranças, havia policiais de prontidão na casa de shows.
Se o show em Blackpool envolveu ambulâncias, este envolveria policiais no palco enquanto os Stones tentavam executar seu set. O ato de abertura, Trix & The Paramounts – os únicos a terem um set completo – subiu ao palco com atraso, o que já foi o suficiente para deixar o público enfurecido. Após a banda deixar o local, as cortinas se fecharam mais uma vez e sem que a plateia percebesse os Stones subiram ao palco, o primeiro a testar o equipamento foi Bill Wyman. Apenas o som de uma corda de baixo foi o suficiente para juntar fúria e histeria. O empurra-empurra começou e todos foram para a frente do palco.
“Quando cheguei ao palco, os primeiros assentos já estavam voando pelo ar”, afirmou o guarda Willem Schepers, que acabou ficando preso no backstage assim que o tumulto começou, quando chegou na área onde estavam os Stones, já era tarde demais. O primeiro show holandês da banda não estava nem mesmo na marca de 10 minutos quando a pancadaria começou, de acordo com Bill Wyman, os fãs quase literalmente levaram o lugar abaixo. Em um dos vídeos que mostra o incidente, policiais estava no palco junto de organizadores do show, um deles chegou a chutar um fã descontrolado. Pessoas gritando, jogando objetos e chicletes mascados no palco – este último item era bastante comum na época –, um fã com um guarda-chuva pontiagudo, enfim, um verdadeiro caleidoscópio do caos. Após três músicas, até o fio do microfone de Mick Jagger estava quebrado. Diante da situação, a banda precisou se retirar do palco.
Apesar do que aconteceu, o show em Scheveningen entrou para a história da música popular na Holanda.
“A mesma coisa [que aconteceu em Blackpool] aconteceu nessa linda antiga casa de ópera em Hague. Eles deixaram o lugar em pedaços. Nós ficamos no palco por 7 minutos. Um número a todo volume, e dois sem nenhuma eletricidade. Toda a energia foi desligada pelos tiras. Nós tentamos continuar com maracas e pandeiros, mas tivemos que desistir. A polícia nos fez sair e depois a plateia destruiu o lugar, puxaram as tapeçarias das paredes, arrancaram as cadeiras ajustadas e as jogaram nos candelabros. Foi realmente horrível.” – Bill Wyman
Parte das imagens não foram bem preservadas e não estão mais disponíveis, também acreditava-se que o áudio do show estivesse perdido, mas um fã publicou no YouTube em 2014 o que seria o áudio original do concerto. O vídeo não contém três, mas quatro músicas.
Assista também a imagens feitas durante o ensaio para o show.
Foto: Adere Tijden