Pé d'água nervoso: Nada pôde parar os Stones em Miami!
O 2º e último furacão da "No Filter"
Foto: Getty Images North America via Zimbio
O show de 2019 dos Rolling Stones em Miami sofreu o mesmo número de mudanças de data que semanas antes sofrera o concerto de New Orleans, ambos tiveram três datas diferentes, começando pelo cancelamento das datas originais da turnê por conta da cirurgia cardíaca de Mick Jagger para a troca de uma válvula, mas quando tudo estava bem com o vocalista e as novas datas eram dadas como certas, novas alterações ocorreram. O motivo foi o mesmo para as duas cidades: furacões! O primeiro a atormentar a organização da "No Filter" foi o "Barry", que apesar de fazer o concerto no Mercedez-Benz Superdome ser adiado, foi rebaixado ao nível de chuva tropical. Mas quando a turnê estava chegando perto de sua última data no presente ano, em Miami, o furacão Dorian ameaçava varrer a Flórida após devastar o noroeste das Bahamas no mês de agosto. Até que no dia 28 de agosto, o governador Ron DeSantis declarou estado de emergência na Flórida.
Os Stones não se deixaram abater, ao invés de cancelar a data – que contaria com um sortudo fã vencedor de um sorteio para assistir a banda na última data da "No Filter –, decidiram adiantar o concerto no Hard Rock Stadium de 31 de agosto em um dia. A mudança resultou no cancelamento do ato de abertura, o cantor colombiano Juanes, que chegou a tocar "Beast Of Burden" com os Stones durante a Olé Tour, no concerto que aconteceu no dia 10 de março de 2016, em Bogotá.
A mudança foi anunciada pelas redes sociais da banda:
"Devido à previsão do tempo, o show dos Rolling Stones agendado para sábado, 31 de agosto no Hard Rock Stadium foi transferido para amanhã à noite, sexta-feira, 30 de agosto. Todos os ingressos serão válidos para a nova data. Não haverá nenhum ato de abertura - os portões serão abertos às 18:00 ET, e o show dos Stones continuará às 20:30 ET.
Os portadores de ingressos receberão um email da Ticketmaster com maiores informações."
Em jogos de futebol americano, o Hard Rock Stadium tem capacidade para 64.767 pagantes, mas esse número varia muito em concertos. Alguns shows realizados na última década chegaram a ter mais de 60 mil pessoas, outros não chegaram nem a 40 mil, e com a ameaça do Dorian, era de se imaginar que parte do público não compareceria ao último show da leg norte-americana da "No Filter". Mesmo assim, a Maior Banda do Mundo conseguiu colocar quase 41 mil fãs no estádio de Miami, que demorou a encher, mas próximo à hora do show, o lugar já estava cheio. Era hora do enfrentamento final: Stones VS Dorian.
Foto: Michael Laughlin/South Florida Sun Sentinel
O show com clima agitado começou com a guitarra de Keith Richards extremamente baixa em "Jumping Jack Flash", o que foi resolvido no segundo seguinte. A primeira da noite foi a forma perfeita para iniciar o show em Miami, com um primeiro verso certeiro: "I was born in a crossfire hurricane". Nos primeiros momentos da banda no palco, era possível ver fãs com balões, cada um com uma das cores da bandeira da Argentina, país auto-denominado o mais Stone do mundo, o que é perceptível na dedicação dos stoneanos argentinos em comparecer a cada evento que pode ser o último show dos Stones. Mick Jagger estava cantando muito em "Jumping Jack Flash", fazendo até algumas raras firulas, provavelmente para se manter interessado no clássico e, claro, entregar uma performance de tirar o chapéu. "It's Only Rock 'N Roll (But I Like It)" voltou para o último show da leg norte-americana, sempre com uma das maiores homenagens a Chuck Berry feita por Keith em sua Gibson. Jagger jogou um copo d'água na plateia e em seguida fez os fãs cantarem a parte da música que mais convida o público a soltar a voz, encerrando a faixa de 1974 com um beijo para os 40.768 pagantes. "Tumbling Dice", que sempre faz parte do concerto, também teve uma volta, a do verso "women think I'm tasty", que geralmente é deixado de lado por Mick.
Foto: Michele Eve Sandberg
O último concerto da leg também contou com "Out Of Control", que apesar de não ter resultado na versão mais consistente da turnê, teve muitos bons momentos, especialmente os solos de gaita de Jagger. O vocalista provou que seu solo de gaita feito imediatamente após o refrão no DVD "Havana Moon" não foi resultado de um corte muito bem feito em sala de edição. O público da Flórida respondeu melhor e mais rápido à faixa do "Bridges To Babylon" do que Santa Clara, onde foi tocada anteriormente.
O último song vote de 2019 teve "Under My Thumb" como vencedora, dessa vez, Mick não se estendeu muito antes de divulgar a música mais votada para o show. Criando novas rimas – mais do que em performances anteriores – para o clássico sessentista, Jagger conseguiu encaixar as novas palavras até mesmo quando parecia que iria se perder na composição relâmpago. Keith começou seu solo nas notas graves de sua guitarra, lembrando as versões da turnê norte-americana de 1981, mas logo seguiu para o convencional, não se estendendo muito já que Mick voltou a cantar no momento certo. Aquele era um show que não poderia passar da hora marcada, dadas as possíveis circunstâncias.
Ao chegar no palco B, Mick disse que estar tão próximo do público era "acolhedor", afirmando que estar ali era como estar na sala de casa, mas com muito mais pessoas. A parte mais intimista do show começou sem nenhuma mudança em comparação com a apresentação anterior, "Sweet Virginia" deu largada no set acústico. Parecia que tudo iria desmoronar quando Jagger deu o tempo para a banda novamente, mas Charlie Watts ajudou a fazer com que Keith e Ronnie não se perdessem logo na introdução, onde Richards entrou adiantado. Mas tudo correu bem. Wood fez ótimas escolhas em seu solo para "Sweet Virginia". Antes da música seguinte, o bom humor de Watts era nítido enquanto o baterista explorava os pratos de seu instrumento. Foi com "Dead Flowers" que a banda fechou os sets acústicos de 2019. Após dar o tempo e tudo correr bem, Mick olhou impressionado para Richards, que riu da reação do vocalista. Antes do solo de Wood, Jagger encontrou uma bela afinação fazendo as notas de forma mais suave durante o segundo refrão, voltando ao seu estilo de cantar conhecido pelos fãs logo em seguida, quando mais uma vez fez como nos velhos dias e dividiu o microfone com Richards, que colocou o braço no ombro do vocalista.
Foto: The Sarasota Post
Enquanto fãs jogavam camisetas e bandeiras na passarela, os garotos voltaram para o palco principal ao som da percussão de "Sympathy For The Devil", onde Keith Richards fez um de seus solos mais minimalistas de toda a turnê. Explorando o palco, Richards foi até uma das extremidades encontrar fãs apaixonados que viram o guitarrista solar de perto. A banda deixa claro o quanto gosta de executar a faixa de abertura do "Beggars Banquet", especialmente Darryl Jones e Ronnie Wood, que ficaram boa parte do clássico performando um para o outro. Para o último show da leg, Jagger chamou Bernard Fowler e Sasha Allen para terminarem a música junto dele na frente do palco.
Os últimos momentos de Jagger na primeira parte do show na "No Filter" são sempre compostos por músicas que fazem o estádio inteiro cantar, seja o vocal de apoio de "Sympathy For The Devil" ou o refrão de "Honky Tonk Women", onde Mick pegou uma das bandeiras dos fãs argentinos e a mostrou para o público. Após o fim do clássico, fãs gritavam "Argentina! Argentina". E para completar, o vocalista ainda faz o seu tradicional "quase show de stand-up", dessa vez afirmando que chegou tarde no concerto por ter ficado preso no tráfego de mar-a-lago, em seguida afirmou: "Consegui sair para um passeio pela natureza e vi muitas iguanas gigantes. E vi uma enorme píton, e eu disse, 'mandem-nas de volta'". A última frase de Mick tirou uma reação tensa de parte do público.
Como já foi dito, os fãs argentinos compareceram em peso ao concerto, com direito aos clássicos cantos de futebol envolvendo até os nomes de cada integrante, com Ronnie, Charlie e Keith. Mick percebeu o que os fãs estavam fazendo e chamou Charlie de "Olê Watts".
Ao assumir o microfone, Keith agradeceu o público e também à equipe da banda, afirmando que aquele era o último show da banda "por enquanto". O que dá esperança aos fãs que ainda não viram a banda para uma próxima leg ou uma nova turnê.
A primeira de Richards nos vocais foi "You Got The Silver", onde a voz de Keith mostrava o peso de uma turnê inteira, ou talvez do tempo frio. O que pode ser apenas uma impressão, afinal, estamos falando do estado da voz de um senhor de 75 anos. Mesmo assim, Keef cantou como na maioria dos shows, mais comedido, enquanto arriscava algumas notas altas, diferente da música seguinte, onde a energia voltou a imperar. Apesar dos percalços, o guitarrista fez as notas altas de "Before They Make Me Run", terminando suas performances como vocalista em 2019 com uma boa execução da faixa do "Some Girls". Antes de Mick voltar ao palco, Richards desejou o melhor aos residentes de Miami.
"Miss You" começou com algumas de trocas de Mick nos primeiros versos, o que para um fã dos Stones não deveria ser um grande problema, dependendo da canção. O solo de Darryl Jones começou um pouco morno, mas logo esquentou como alguns dos já tradicionais solos do baixista em seu momento de brilhar, que em Miami não durou tanto quanto em outros concertos, o que é compreensível. Já Tim Ries teve mais tempo para o seu solo, com direito a alguns momentos épicos, o que não impediu Jagger de trazer volta os versos "I guess I'm lying to myself / It's just you and no one else", que estavam perdidos desde o show de Denver. O último concerto nos EUA teve "Paint It Black" entre "Miss You" e "Midnight Rambler", o que começou a acontecer no primeiro show de 2019, no Soldier Field em Chicago.
Foto: The Sarasota Post
Enquanto a chuva se aproximava, o canto arrepiante de Sasha Allen ao fim de "Paint It Black" parecia anunciar os tempos tempestuosos, e o clima do show não mudou muito, passando do single de 1966 para a ópera-blues e, talvez, o momento mais raivoso de todo o espetáculo, "Midnight Rambler". O clássico blueseiro não começou com o erro escutado no show de Glendale, mas assim como na apresentação anterior, Watts não esperou muito para descer a porrada e entrar na parte mais enérgica da faixa do "Let It Bleed". Após o primeiro solo de Ronnie, a gaita de Jagger levou todos no estádio de volta aos primórdios da música que mais tarde influenciaria os Stones, e falando nisso, o último clássico do blues cantado pelo vocalista durante a "No Filter" de 2019 foi "Come On In My Kitchen", gravada por Robert Johnson em 1936, com Richards tocando como um bluesman da época. A última "Midnight Rambler" da leg também teve Mick ressuscitando a frase "and it hurts", assim como no último show de 2018, na Polônia.
A festa chegou aos seus últimos momentos com "Start Me Up", que teve um interessante solo de Wood, mas algumas perdidas de Charlie nas viradas e a voz de Mick parecendo grave no melhor estilo turnê de 1981, o que não derrubou a execução. A última antes do bis, que chegou a ser trocada de lugar para a surpresa dos fãs em algumas datas, foi "Brown Sugar". Uma das guitarras estava desafinando, o que só foi corrigido depois do primeiro refrão, mas diante do que estava por acontecer, alguns erros de última hora vindos até mesmo do roadies não seriam uma surpresa, mesmo assim a banda deu tudo aos fãs, inclusive a palheta, no caso de Ronnie Wood que a jogou para algum fã sortudo que estava no pit.
"Plateia incrível pra caralho, Miami!" – Mick Jagger
"Gimme Shelter" foi outro dos clássicos com um primeiro verso perfeito, dessa vez, para dar início à contagem dos últimos minutos do show e da própria "No Filter" norte-americana, principalmente pelo fato da chuva que já começara a cair em Miami. A introdução foi mais crua em comparação com a de outros concertos, em parte pelo fato da guitarra de Wood ter ficado com todas as cordas quase semitonando em relação à de Richards, provavelmente fruto do tempo, mas a banda fez o clássico funcionar. A performance de Sasha Allen mostrou a cantora não se deixando abater, cantando no limite de sua voz para impressionar os fãs no Hard Rock Stadium. Allen parecia não querer deixar o resultado de várias noites cantando o que foi originalmente gravado por Merry Clayton lhe abalar, e forçou para fazer a última nota durar como deveria, entregando mais uma performance explosiva. Em seguida, Mick e Sasha dividiram o palco B enquanto a chuva caía, o que lembra o show antológico dos Stones em Porto Alegre, durante a "Olé Tour".
Pouquíssimos segundos após "Gimme Shelter", Richards "afiou" sua guitarra e começou a tocar o riff de "(I Can't Get No) Satisfaction". Era claro que o show precisava terminar, mas a banda não se amedrontou e fez os 7 minutos do clássico, como era esperado. Talvez fruto da pressa, mais uma vez Keith seguiu tocando o riff no momento em que Charlie dobrava a caixa, seguindo enquanto Mick voltava para os versos, nesse momento o vocalista olhou para o guitarrista, que voltou a fazer a base. Apesar da duração aproximada em relação a outras performances, essa foi uma das execuções mais ferozes e caóticas do clássico, já que Mick chegou a jogar dois improvisos diferentes para os backing vocals, que chegaram a fazê-los, se decidindo por um deles e o encaixando no tempo, enquanto a banda descia a lenha ao tocar a música. Enquanto tocava a última da leg, Charlie Watts não conseguia conter o sorriso, parecia que o baterista estava tocando enquanto tudo desmoronava e levando isso no bom humor. Talvez para dar o sinal para a banda, Mick agradeceu o público durante a execução, coisa que não aconteceu com muita frequência neste ano, foi aí que os caras se encontraram para as últimas notas de 2019.
Em meio a chuva que ficava cada vez mais forte, a última imagem da "No Filter" para quem estava na frente do palco, foi a de Keith se cobrindo com a bandeira argentina confeccionada pelos fãs que lá estavam. Uma sensação de meta alcançada não só para a banda, mas também para o público que acompanhou os Stones.
Até a próxima, rapazes!
Foto: Michele Eve Sandberg
Setlist:
1. Jumping Jack Flash 2. It's Only Rock 'N Roll (But I Like It) 3. Tumbling Dice 4. Out Of Control 5. Under My Thumb (vote song) 6. You Can't Always Get What You Want 7. Sweet Virginia (palco B) 8. Dead Flowers (palco B) 9. Sympathy For The Devil 10. Honky Tonk Women 11. You Got The Silver (Keith) 12. Before They Make Me Run (Keith) 13. Miss You 14. Paint It Black 15. Midnight Rambler 16. Start Me Up 17. Brown Sugar BIS 18. Gimme Shelter 19. (I Can't Get No) Satisfaction
Foto: The Rolling Stones